Lésbicas: mulheres elevadas à máxima potência
Os livros de história sempre tiveram dificuldade em falar de
mulheres que não respeitam os padrões de gênero. Viver sem homens em um mundo
machista e de mentalidade patriarcal é uma afronta imperdoável aos machos da
espécie.
No entanto, da Antiguidade aos tempos modernos a história é fértil
em relatos protagonizados por guerreiras. As Amazonas. São abundantes as lendas
de temíveis guerreiras na Grécia antiga. Essas histórias falam de mulheres
treinadas desde a infância na arte da guerra, no manejo de armas e nas privações
físicas. E, acima de tudo, viviam separadas dos homens.
As Amazonas representam (Mulheres) uma espécie de medo ancestral
que os homens em geral têm até hoje. Ao se deparar com um grupo de mulheres
poderosas, por certo os homens se lembram do período em que a humanidade viveu
sob o matriarcado. Um tempo quando os homens lutavam até a morte para que o
vencedor pudesse acasalar com a deusa-rainha-mãe, antes de ser ele mesmo
oferecido em sacrifício.
Mais do que filhas de Safo, a poetisa grega da ilha de Lesbos, nós
lésbicas, ouso dizer, somos as legítimas herdeiras das Amazonas. Subvertemos
a ordem do sexo frágil, da dependência e da subserviência. Não seguimos o
“manual de boas práticas femininas”, que dita modos de vestir, de agir, de
falar, de ser e estar no mundo. Somos revolucionárias na acepção própria da
palavra: fazemos uma transformação radical na estrutura da sociedade.
Seguimos desconstruindo certezas e quebrando o que estaria
estratificado, a despeito das agressões e desqualificações cotidianas que
sofremos. Não somos barro para que nos possam moldar rosto e destino, nem ferro
para fundir em qualquer formato, retorcer os lábios e torcer de novo, soldar um
novo corpo que pouco a pouco oxida com lágrimas salgadas.
Não
somos pré-fabricadas. E não permitimos que nos preguem pregos nas mãos e
obediência nos pés. Tão pouco que cortem as estruturas de nossos dias. Não
somos madeira para gravar em nós o nome de um pretenso “dono”, nem página em
branco de um contrato eterno de infelicidade.
Dia da Mulher?
Mulher… Poderia tecer páginas e
páginas de uma ode à mais bela entre todos os seres. Mas quero aproveitar esta
data para algumas reflexões. Bem, sei o que é ser mulher neste corpo que me
acompanha nesta vida, com humores que oscilam meu temperamento o tempo todo.
Quando
me dei conta que meu sexo é o feminino, despertei com ele para toda a cobrança
histórica que já começa com a Eva bíblica (mesmo que eu não acredite na
existência dela) e segue por toda a “estória” escrita por homens interessados
em dominar as mulheres e o mundo. Com esse estigma na testa, sigo. Orgulhosa
por ser mulher. Orgulhosa por ser lésbica.
Então, chega esta data. Todos os anos, no dia 8 de março, por
todo o mundo cantam-se hinos, dizem da pele lisa e da beleza transcendental das
mulheres. Esquecem-se, porém, de falar de toda violência consentida. De todos
os golpes crus e ocres em nossos corpos, de todas as mãos que nos arrastam em
solenes martírios; de todas as burcas confeccionadas com linhas abstratas de
julgamento e superioridade.
Exaltam
o sentimento puro e maternal. Todavia, se esquecem de publicar sobre as
violações ignoradas, ventres amaldiçoados, rasgados e torturados. Elogiam
nossas bocas suaves, mas preferem a omissão frente a todas as bocas
barbaramente emudecidas e a todas as mordaças.
Enaltecem
as mãos macias e ternas, apesar da aridez da vida, mas se esquecem de falar das
correntes invisíveis e psíquicas, dos dedos trincados por anéis dourados.
Escrevem sobre olhos ternos e preferem esconder ou fingir que não existem as
tantas retinas manchadas de sofrimento.
Os
machos querem esculpir-nos como sua melhor obra, “nascidas de sua costela”,
modificando-nos a essência de acordo com seus interesses e cimentando-nos uma
boca fechada, fazendo bater em nós um coração de chumbo, colocando-nos olhos
cegos. Não. Não podemos aceitar. E resistimos, dia após dia.
Somos
lésbicas. Somos mulheres que amam outras mulheres. Desafiamos a ordem
estabelecida e não nos resignamos ao papel milenar que os homens têm relegado
às mulheres, o de coadjuvantes da História. Somos as fêmeas elevadas à máxima
potência do que é ser mulher.
Entre
elas
Mulheres são de Vênus? Eu diria
que sim, já que toda mulher é, de algum modo, filha de Afrodite (ainda que não
só de Afrodite). Mulher! É cor rosa-choque? Isso eu não sei se é mentira ou
verdade. Mas, se quiser ousar, então me provoque! E mostrarei o meu sexo frágil
no seu tato. Essência fêmea, graça e beleza; todo o eflúvio e o fluxo de ser
mulher em delicadeza.
Mulher…
Por onde anda, seguem seus olhos de cristais diluídos no mar da sapiência,
pressentimentos e anseios revelam sua intuição. Ciclos estranhos e naturais
revigoram sua essência, hormônios exalam seu perfume de pura tentação. O leito
do rio em sua adocicada fruta rosada inebria-me pela volúpia do seu instinto e
anuncia a nascente do prazer da amante amada, hipnotizador e irresistível qual
o aroma de ambrosia.
Mulher!
Da inspiração que foi criada, tornou-se a Musa da Poetisa Maior, a Deusa-Mãe,
que nos deu o poder do portal da luz na jornada da vida.
Beijaço
Neste
dia em que o mundo se dá conta superficialmente de sua face mulher, proponho
uma ação de autoafirmação a cada uma de nós: beije-se no espelho. Isso mesmo.
Não esperemos que alguém se lembre da particularidade que é serem mulheres e
lésbicas nessa sociedade.
Não nos
contentemos com os carinhos daqueles que insistem em nos diminuir em todos os
outros dias do ano. Não nos deixemos seduzir pela gentileza fake daqueles que
nos perseguem e descreditam enquanto seres humanos sempre que podem.
Marquemos neste dia ainda mais a nossa independência! Sejamos
nós a nos acariciar, a nos cumprimentar, a nos beijar. Sejamos nós a
sorrir-nos! Porque existe sempre um sorriso esperando por nós em algum lugar de
nosso eu-fêmea, desejando nosso beijo mais colorido.
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